Por Eduardo R. Schneider https://issuu.com/querrer/docs/revista_09_-_final_-_alta

A quinta etapa do projeto “Cenários pós-Covid-19: possíveis impactos sociais e econômicos no Brasil” tem como objetivo avaliar estrategicamente os minicenários construídos, por meio de uma análise clássica baseada em oportunidades e ameaças. Nesse sentido, o autor¹ apresenta a síntese de uma análise estratégica para o País.

A Prospectiva Estratégica nos ensina que a antecipação deve orientar a ação. Ela comporta duas fases: uma exploratória, que visa identificar os futuros possíveis, e uma normativa, que abrange as escolhas estratégicas. Segundo Godet (2000), a primeira fase ocupa-se de responder à pergunta “O que pode acontecer no futuro?”; enquanto a segunda vai se preocupar com outras três questões: “O que posso fazer?, O que vou fazer?, Como vou fazer?”. Conforme Giget (1998, citado por Godet, 2000, p. 18)² , em ambas fases uma interrogação deve ser o ponto de partida de todas as perguntas: “Quem sou eu?”, pois ela impõe às empresas, organizações ou aos territórios uma constante reflexão sobre sua essência, enfim seus pontos fortes e fracos.

Do exposto, compreendemos que os cenários não são um fim em si mesmos. São ferramentas que nos permitem visitar uma situação futura e, assim, orientar as ações para construí-las a partir do momento atual.

Na fase estratégica que agora tratamos, cabe destacar que em face ao caráter limitado no tempo dos minicenários, bem como ao fato dessa reflexão não se destinar a algum decisor em particular. A fase normativa somente insinuará elementos que compõem o envoltório estratégico, a fim de proporcionar o aprofundamento da reflexão estratégica por parte dos decisores de empresas, organizações ou territórios que façam parte do sistema Brasil.

Dessa forma, o levantamento das oportunidades e das ameaças foi realizado para cada cenário em separado. No entanto, a análise contempla o seu conjunto, de forma integrada, pois o futuro é múltiplo e incerto. Além disso, deve-se cuidar para não confundir desejos com a realidade.

Para o levantamento das oportunidades e das ameaças, o instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário online, utilizando-se a plataforma Google Forms. O questionário solicitou, para cada um dos quatro cenários, o fornecimento de três ameaças e três oportunidades que pudessem impactar as estratégias a serem adotadas pelo Brasil frente à crise da covid-19.

Cabe lembrar que as oportunidades representam forças e fatores existentes (ou emergentes) no ambiente externo à organização/área que favorecem o atingimento dos objetivos e suas metas. Já as ameaças representam forças e fatores existentes (ou emergentes) no ambiente que escapam ou fogem do controle da organização/área e representam desafios a vencer. O questionário foi respondido por 86 especialistas. Os respondentes contribuíram com suas percepções por meio de 1.860 registros, divididos entre oportunidades e ameaças distribuídos pelos quatro cenários.

Obviamente, esse grande número de informações necessitou ser depurado, a fim de se buscar as ameaças mais graves e as oportunidades mais importantes, que influenciem a resposta à questão orientadora: Até 2022, o Brasil será bem sucedido ao lidar com os desafios sociais e econômicos gerados pela pandemia do Coronavírus?

Inicialmente, foi realizada depuração por cenário, das oportunidades e ameaças sugeridas pelos peritos, foram eliminadas as semelhantes e ajustadas algumas redações para integrar temas semelhantes. Depois dessa primeira depuração, foram separadas pelas dimensões de análise, definidas anteriormente: economia; sociedade e demografia; saúde e meio ambiente; geopolítica e relações internacionais; e político-institucional. Nova fase de depuração foi realizada, reduzindo ainda mais o número de oportunidades e ameaças. Em seguida, realizou-se
a integração dos resultados, que haviam sido primeiramente tratados separados por cenários. Nesse momento, todas as oportunidades e ameaças, independentemente de sua origem, foram analisadas conjuntamente e novo processo de integração realizado, resultando em 88 oportunidades e 105 ameaças.

As 88 oportunidades foram apreciadas pelo grupo de controle quanto à importância de favorecer uma saída bem sucedida da crise pós covid-19 e quanto à urgência na realização de ações a serem adotadas para aproveitamento da oportunidade. Desse processo, resultaram 43 oportunidades. Como o número ainda era elevado, foi feita uma seleção, considerando somente as que obtiveram a máxima avaliação em pelo menos um dos dois aspectos. Nesse contexto, resultam 15 oportunidades. Após isso, numa análise conjunta, os seis integrantes do grupo de controle refletiram sobre as 15 oportunidades, verificando novas possibilidades de integração, bem como possíveis lacunas. Dessa última análise, resultaram as 10 oportunidades.

Paralelamente ao tratamento das oportunidades, procedimento semelhante foi realizado para as 105 ameaças, sendo que desta vez o grupo de controle avaliou quanto à gravidade da ameaça, impedindo uma saída bem sucedida da crise, e à urgência de sua eliminação, neutralidade ou gestão de risco. Dessa forma, resultaram 49 ameaças. Como se considerou que o número ainda era elevado, decidiu-se realizar uma análise conjunta sobre 27 ameaças que possuíam a avaliação máxima nos dois aspectos, buscando-se novas possibilidades de integração, bem como possíveis lacunas. Dessa última análise, resultaram as 13 ameaças.

No seu conjunto, essas oportunidades e ameaças tratam do aproveitamento da crise para superar antigas dívidas do Estado para com a Sociedade brasileira, entre outros aspectos.

Numa visão conjuntural, a Sociedade vê como ameaça e demanda a interrupção da instabilidade gerada pelo clima de beligerância instalado no plano horizontal entre os poderes da União e no plano vertical entre os entes federativos. Essa situação institucional, na vigência de grave crise sanitária e econômica deixa a Sociedade atônita em face da falta de foco e do anacronismo do Estado, cujo centro de gravidade parece ser o processo eleitoral em vez dos brasileiros que o sustentam. Assim, a sociedade deseja que os poderes e os entes federados se pactuem e retornem aos limites estabelecidos no texto constitucional, bem como promovam, com urgência, as reformas
necessárias em prol de um Estado mais eficiente e atento às justas necessidades sociais da população.

Na dimensão estrutural, a Sociedade espera que o Estado aproveite o sentido de urgência estabelecido pela crise para construir uma visão estratégica de longo prazo, que contribua para mitigar os efeitos sociais e econômicos da crise e contemple, sem abrir mão de um nível adequado de controle fiscal, os investimentos públicos e privados necessários: nas infraestrutura social e econômica; no sistema de CT&I³, particularmente em tecnologia incremental e inovação; na economia digital; no SUS4, especialmente na atenção primária e vigilância epidemiológica; na qualidade da educação básica, técnica e superior, nessa ordem. Todos esses investimentos devem priorizar a criação de empregos e a melhoria da produtividade e da competitividade da economia.

No plano externo, o país deve procurar manobrar para estabelecer um patamar de liberdade de ação mínimo, não se permitindo capturar por potência alguma, a fim de assegurar os interesses comerciais e estratégicos brasileiros, carreando recursos tecnológicos e financeiros para o desenvolvimento sustentável do país, sem abrir mão dos valores ocidentais de liberdade, democracia e respeito ao estado de direito. Nesse sentido, o Estado e a Sociedade devem se mobilizar em torno de um ambiente de cooperação, buscando atrair possíveis investidores que, porventura, se afastem da China, tornando-se uma opção viável para aumentar a integração do país às cadeias logísticas internacionais.

Finalmente, pode-se esclarecer que os cenários foram elaborados, a fim de iluminar a formulação de estratégias e planos. A formulação da estratégia mais adequada caberá ao decisor estratégico e será resultado da confrontação dos cenários, dos meios disponíveis, das ameaças a serem eliminadas ou contornadas e das oportunidades a serem aproveitadas. No entanto, um sentido de urgência faz-se necessário, pois nos momentos de crise as melhores oportunidades aparecem e rapidamente são capturadas por aqueles que conseguiram enxergar nelas novos processos, serviços e produtos. Os demais, segundo Hamel e Prahalad (1995, citado por Godet, 2000, p. 13), serão
aqueles mais interessados em preservar o passado do que enfrentar o futuro, mais uma vez perdendo o bonde da história. Então, torna-se inadiável e imprescindível a formulação das estratégias corretas, afinal como nos legou Sêneca: “Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”.

¹ Eduardo R Schneider – Associado fundador do Instituto Prosptectiva (INSPRO).
² Godet, M. (2000) “A Caixa de Ferramentas” de Prospectiva Estratégica. CEPES, Lisboa, Portugal.
³ CT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação.
4 SUS – Sistema Único de Saúde.

 

REVISTA BSBMACK Nº 09 – O FUTURO PÓS-PANDEMIA

 


Esta é uma reprodução da matéria original publicada na Revista BSBMACK Nº 09 – O FUTURO PÓS-PANDEMIA em 12/06/2020, página 20 e disponível no link https://issuu.com/querrer/docs/revista_09_-_final_-_alta

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